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ancora redes

o caminho das professoras

A LUTA DAS PROFESSORAS.png

Colagem: autoral

Áudio: relato de memória da minha avó Avani (materna), 66 anos, moradora nascida, criada  e professora de escolas em Valéria.  Gravado em: 15 de janeiro de 2020.

redes, ativas e afetivas

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A rede se constrói há tempos, ela vem se arquitetado por tramas velhas e sendo remendada pelas (entre)linhas novas daqui. As redes capturam o possível, isto mais depende de quem a está jogando ou até mesmo da força de seus nós, mas é certo afirmar, elas revelam o que está abaixo da superfície. Compreender a articulação das redes por aqui é perceber o que foge do que é implícito e explícito pelo sistema sobre os territórios-margem, revelando o que é invisibilizado, e constrói mundos dentro deste que já existe, formado por práticas autogestionárias que implicam o fortalecimento de laços em todos os aspectos da vida social (LEFEBVRE, 2009).

Valéria nunca para de crescer, para todo lado que se olha surgem coisas novas todos os dias, novas pessoas, novas casas, novos comércios (grandes, pequenos, minúsculos), novos sons, novos cheiros, novas relações, novas redes, novas vidas, mesmo que as notícias sejam sempre as mesmas, tão repetidas que nem preciso mencioná-las, não é mesmo? Observar tudo isto me faz refletir como este “novos mundos”  tão potentes surgem em um contexto de espaço sempre definido enquanto subalterno e problemático, afirmativas que definem apenas o que é supervisibilizado pelas políticas dominantes, narrativas únicas de precariedade que contribuem com as estratégias de alienação do sistema racista, como nos conta a intelectual nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (2009) . Pensar nisso, me faz lembrar a memória que minha avó me contara sobre o longo percurso que ela e suas colegas de trabalho faziam de casa, seguindo por toda a Rua da Matriz até a BR-324, atravessando a rodovia para chegar até o outro lado onde fica o bairro de Palestina, para, chegando aquele lado, subir uma longa ladeira e, enfim, chegar à Escola Municipal Maria Rosa Freire onde trabalhavam. Nesta época, meados da década de 1980, minha avó trabalhava em duas escolas, pela manhã na Palestina e pela tarde aqui em Valéria, não dando tempo ir para casa almoçar. Porém, também neste percurso, morava uma grande amiga da família, e neste período, todos os dias na hora do almoço, esta era uma parada obrigatória. Pode parecer romantizado pensar neste ato como uma ação política estratégica, mas ele apenas delineia o quanto os afetos e a construção de redes ativas, podem iniciar processos de subversão das realidades vigentes. Mais ainda, este ato ilustra uma forma de ser, cultural da nossa ancestralidade comunitária como descrevi no fragmento “Eu vim daqui”, que apesar de tentar ser invisibilizada cada dia mais, pode ser percebida em ações cotidianas comuns como esta, que não cessaram ao longo do tempo.

Ao valorizar este espaço vivido e sentido, como lugar da experiência e da ação, é possível compreendê-lo como um sistema de relações singulares que exprime a experiência e o envolvimento com o mundo, de forma identitária, relacional e histórica de quem o faz (AUGÉ, 1994 apud RAMOS 2013). Ramos (2013) traz a ideia de “bairro negro” como um espaço construído através dos saberes das(os) habitantes fundadoras(os), da criatividade de suas soluções e das tramas tecidas nas brechas da sociedade dominante, um fazer comunitário que indica a própria identidade do grupo, sua cultura e história.

COLAGEM FUTEBOL.png

o sonho de sempre

Colagem: autoral

Áudio:

- 1ª voz: relato de memória do meu pai Eudes, 51 anos, antigo morador do bairro, chegou em 1985, e se mudou em 2007. Gravado em: 22 de janeiro de 2020.

- 2ª Voz: relato de memória da minha avó Avani (materna), 66 anos, moradora nascida, criada  e professora de escolas em Valéria.  Gravado em: 15 de janeiro de 2020.

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As histórias da força que a sociabilidade do futebol cria em nosso país nunca foram uma lenda por aqui, desde os grandes movimentos que este produz no território (apesar de ter produzido muito mais antigamente), até as perspectivas que ele cria enquanto sonho possível no imaginário das crianças. “Não tinha nada... Mas tinha campo” relembra minha avó, uma época que o futebol era produtor de centralidade, e conexão entre habitantes de dentro e de fora daqui. Já meu pai sempre se vangloria como ele e seu irmão mais velho compraram o primeiro padrão de time infanto-juvenil daqui, vendendo côco e melancia pelas ruas do bairro, era um padrão oficial do Bahia, eles tinham por volta dos 12 anos, na década de 1980. Este mesmo time, foi o primeiro time infanto-juvenil a jogar em um campeonato oficial daqui. Olha onde essas melancias os levaram! É interessante lembrar também, dos campeonatos internos nas grandes empresas que existem e empregam muitas(os) moradoras(es) daqui mesmo, reproduzindo o que já era comum fora dela. Meu pai rememora que alguns times juvenis eram formados pelos filhos de funcionárias(os) e estes recebiam enorme patrocínio das empresas, totalmente contrastante com os times criados apenas por afetos de amizade e coleguismos, ele me conta (com graça) que por vezes chamavam colegas de outros bairros para tentar criar intimidação aos meninos que formavam os times de empresas. Estas conexões criadas dentro e de fora apontam o protagonismo que uma prática afetiva possui nos territórios-margem, ainda que as políticas hegemônicas não consigam articular (não querem) de forma assertiva o que definem enquanto necessário (infraestrutura urbana, educação, saúde etc.) e o que definem enquanto demanda secundária por acharem trivial à produção de qualidade de vida nas cidades (espaços de sociabilidade), estes atos insurgem enraizados no território (na rua), como um ritual performativo do corpo que carrega a memória em seus gestos e fortalece estas redes ancestrais (Martins, 2003). Os campos podem estar desaparecendo com o tempo, mas as ruas nunca vão ser pequenas o suficiente para não caberem um gol de havaiana, e a vontade de extrapolar a energia que cabe em uma criança. A luta é para que esta não seja a única possibilidade.

ESSE É DE 2010

Por elas e para elas. As redes produzidas pela Educação produzem urbanidades em Valéria desde as ações de Dona Joanita, aos percursos das professoras, até a Escola Comunitária Paulo VI lá no DER-BA, este espaço traz à tona articulações que ultrapassam nossas fronteiras, mas que criam a partir daqui laços e afetos construtores de futuros possíveis. A ação ativa das Irmãs Ancilas e das professoras e professores da escola comunitária é referencial no nicho e no bairro, desde a alfabetização, à metodologia associada ao cuidado, à profissionalização, à educação musical, e a ação continuada, que atinge diversas famílias associadas. Pela atuação política (apesar de não explícita no discurso) esta rede é uma das únicas, atualmente, no bairro que está desassociada a alguma figura (política) partidária, fator que cria muita desconfiança das(os) moradoras(es) daqui, quando o assunto é assistencialismo. Conversando com Irmã Jacira (gestora da escola e mulher preta), fica explícito como a escola é ativa ao serviço à comunidade, por vezes atuando enquanto articulador interno para os serviços públicos de assistência social (como o CRASS - Centro de Referência de Assistência Social) já que estes não são ativos o suficiente internamente para produzir atuações assertivas, por vezes sobressaindo a estes papéis do poder público, por demandas emergenciais. Tais demandas, se produzidas em conexão, minimizariam realidades reproduzidas em meios vulneráveis me conta a Irmã, pois este é um trabalho denso e complexo de ser abarcado por elas unicamente, processo que por vezes geram muitas frustrações, mas que apenas reforçam a relevância de ações táticas conectadas à educação pública e gratuita pulverizadas por toda a cidade. A educação como prática da liberdade já dizia Paulo Freire (1967), ao passo que todos tomem posse do conhecimento.

Uma conversa política com Ir. Jacira, coordenadora da Escola Comunitária e de Iniciação Musical da Associação Social das Ancilas do Menino Jesus de Valéria

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Estas redes são difíceis de quebrar (não impossíveis), elas enaltecem o quanto estas ações são oposicionistas ou alternativas às práticas de dominação (HOOKS,1989), possibilidades estratégicas que enaltecem a vivacidade e a sagacidade cotidianas, amarrando fraturas e tecendo territorialidades instáveis a medida que estas desafiam o controle da experiência urbana (RIBEIRO, 2010). Os mutirões, as associações de moradores, as lideranças comunitárias, as batalhas de rap na praça, os grupos de lavadeiras, os grupos de quadrilha, os artistas urbanos, as escolas comunitárias, os quintais, os “babas” organizados na rua, os paredões, a sociabilidade nos ônibus lotados todos os dias, a partir de uma demanda, uma articulação. Estes atos não diminuem a necessidade de maiores e melhores atuações de políticas urbanas do Estado no bairro, mesmo porque estas não estão a todo momento recusando o que vem dele, mas sim produzindo possibilidades a partir do que é dado, mas demonstram o quanto políticas associadas “qualificadas”, como define Irmã Jacira – gestora Escola Comunitária Paulo VI –, às realidades e demandas da população contribuem na desconstrução das desigualdades na cidade. E a partir disso, enaltecer redes que tecem urbanidades consistentes, a partir das margens, demonstrando o quanto as experiências emergidas daqui, a partir daqui, também são referências.

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REFERÊNCIAS

Colagem: O caminho das professoras

Fotografia da Rua da Matriz (ao fundo) em 1995. Fonte: acervo pessoal

Fotografia das professoras de Palestina (sem data). Fonte: acervo pessoal

Colagem: O sonho de sempre

Fotografia do campo de futebol no terreno desmatado da antiga Fazenda Valéria às margens da BR-324 em 2020. Fonte: acervo pessoal.

Áudio: Irmã Jacira da ordem das Ancilas do menino Jesus, gestora da Escola Comunitária Paulo VI em Valéria e moradora do bairro. Gravado em: 03 de setembro de 2020.

Texto:

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro. 5 ed. 2009.

MARTINS, Leda. Performances da Oralitura: corpo, lugar da memória. Revista do programa de pós-graduação em letras, Universidade Federal de Santa Maria (UFMS), Santa Maria-RS, n.26, 63-81, jun. 2003. Disponível em:  https://doi.org/10.5902/2176148511881

NETO, José Araújo. Descaso faz Valéria buscar emancipação. A Tarde, Salvador, 31 de mar. 2001 Caderno Local, p.4.

RAMOS, Maria Estela Rocha. Bairros negros: Uma lacuna nos estudos urbanísticos - Um estudo empírico-conceitual no bairro do Engenho Velho da Federação, Salvador (Bahia). Tese (Doutorado), Versão Provisória - Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Salvador, 2013, 283 f.

Ted Talks com Chimamanda Ngozi Adichie: “O perigo de uma única história” (2009).

Disponível: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br

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